domingo, 24 de abril de 2011

"RÉQUIEM POR UM ESTÁDIO" - DR. CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES

"Estimado Irmão Moacyr,
As pessoas quando envelhecem ficam mais sensíveis e, de certa forma, intolerantes. Eu estou no limiar da minha já pouca paciência. A breve demolição do Machadão vem doendo em mim, matando minhas melhores recordações do futebol, retirando da paisagem de Lagoa Nova aquele poema que, de tão belo, se mistura com a vegetação e a topografia do lugar. Parece que já nasceu ali com outros instrumentos da natureza.
O que fazer? GRITAR E GRITAR, PROTESTAR E PROTESTAR, LASTIMAR, CHORAR E NUNCA ESQUECER.
RECEBA A MINHA MAIOR SOLIDARIEDADE pelo assassinato desse seu filho de concreto. NO DIA FATAL ESTAREI AO SEU LADO, FRATERNO E AMIGO COMO SEMPRE.
Com o abraço dolorido de Carlos Gomes
(Vou divulgar em meu blog e enviar para nossos verdadeiros amigos)"


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RÉQUIEM PARA UM ESTÁDIO
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES (*)

Sob o impacto da manchete de O Jornal de Hoje, edição de 23/24 deste abril: “O último suspiro”, já recolhido à meditação da Semana Santa, ainda mais voltei no tempo e me deparei com o desamor, com a insensatez e com a falta de vontade política para atender às necessidades do povo, que ainda persiste nestas plagas de Poti.
A imprensa vem alardeando o fechamento de hospitais infantis em Natal e Parnamirim, a falta de medicamentos, a insegurança, escola caindo, ruas alagadas, transporte precário, ganância de alguns postos de combustíveis, falta de fiscalização, constatação do caos nos hospitais e estabelecimentos prisionais, estradas e ruas esburacadas. Ao reverso, os políticos especulam o próximo titular da Prefeitura de Natal, os burocratas que já atuaram ou atuam nos palcos da província, sem nada de novo, sem proposta e sem projetos públicos estruturantes, mas apenas os da sobrevivência das oligarquias.
Enquanto isso acontece, são contadas as horas da demolição de um bem público que somou grandes feitos, que alegrou a população mais desprovida de recursos, que ofertou momentos de glória.
Num passe de mágica, tudo isso é passado, não o passado que fica, mas o que se esquece. Alguns cronistas especializados registram o fato como algo comum – Machadão com dias contados - e até relacionam minúsculos acontecimentos negativos como brigas, suicídios, crimes ou quedas fatais em simetria com conquistas. Mas apontam lenitivos - a destruição é sem implosão para não incomodar os vizinhos. Já se comenta como ex-colosso.
Há uma canção que retrata bem esse episódio: “Nossa história acabou, sem um aplauso sequer, quando o pano baixou, uma cena banal, mas um ponto final”.
Sim, o Machadão vai ao chão, foi condenado sem nenhuma defesa, a não ser o grito de um vetusto arquiteto que o concebeu e o apoio de poucos amigos. Os órgãos públicos pouco fizeram; audiências frustradas por orquestrações exóticas, inúteis – somente para seguir o figurino.
Muitos pais e mães se apresentaram para a nova Arena do Futebol, chamada das Dunas e até usaram como argumentos de campanha política. Esqueceram-se, porém, que, de certa forma condenaram o próprio esporte bretão. O América e o Alecrim ameaçam licenciamento, e será que o ABC terá como sobreviver sozinho?
Não sei realmente, mas pressinto que alguma coisa de ruim vai acontecer e justifico: primeiro um julgador declarou improcedente ação do Ministério Público porque entre o tempo do ajuizamento e o seu julgamento o megalomaníaco projeto foi modificado – não mais atingiria outras áreas (o Centro Administrativo, por exemplo), mas somente os Estádios Machadão e Machadinho, sem atentar que o qüestionamento era em razão da ilegalidade da contratação, sem licitação, para um projeto que não existia e sim uma simples maqüete. Mesmo assim o prazo de recurso foi perdido. Aliás, tudo começou com um parecer de um jurista do Estado, que hoje está no píncaro da glória.
Depois disso, dirigentes declararam que a FIFA e a CBF não condicionam, necessariamente, a realização da copa em Natal à complementação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante e de obras de mobilidade urbana. Em outras palavras, em relação a isso podemos mesmo continuar na “m”.
E se a coisa der errado, quem vai assumir? Qual o discurso já preparado para o insucesso? E o povo vai deixar impunes esses visionários?
Vão aprendendo logo a música de Chico Buarque sobre o destino da Geni.
Enquanto isso, constrangidamente faço o meu “Réquiem para um Estádio”:

Um dia, numa tarde - a grande festa.
A cidade se engalanava, em fantasia.
O povo, na sua incontida alegria,
Fazia um coro, como uma grande orquestra.

O tempo passa, a festa acaba - desilusão.
Momentos lúdicos ficam pra traz, sem constrangimento.
O povo, na sua infinita letargia, aplaudirá novo momento,
Da cruel, incontornável e definitiva demolição.

Não há certeza, se por algum milagre,
Um novo poema de concreto surja na cidade.
Se o povo, em dia de alegria, ainda poderá sentir,
O sabor de um gol perfeito de um Alberi.
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Fonte: Blog DO MIRANDA GOMES (*) ESCRITOR

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