terça-feira, 16 de agosto de 2011

"O OITEIRO ERA UMA VISÃO DE SONHOS. NOS JARDINS, MUITAS FLORES E O OITIZEIRO, À BEIRA DA ESTRADA, INDICAVA OS CAMINHOS" - M.M.A.P.

MARIA MADALENA ANTUNES PEREIRA
"A SINHÁ -MOÇA DO ENGENHO OITEIRO"
"NO GUAPORÉ PRESENCIEI AS MAIS LINDAS FESTAS. TIA AUGUSTA, AO PIANO, EXECUTAVA VALSAS MEMORÁVEIS. MAS O PRÓPRIO CANAVIAL, NA SUA SINFONIA EÓLIA, DIZIA DE ACORDES SUAVES COMO ALGO IMPRESSENTIDO, ALGO VINDO DE LONGE, COMO O TEMPO QUE NÃO VOLTA MAIS". MMAP
MARIA MADALENA ANTUNES PEREIRA E AS DUAS EDIÇÕES DO SEU LIVRO "OITEIRO: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ-MOÇA".
EU E VOVÓ, EM 1957, UM ANO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO "OITEIRO: - MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ-MOÇA", EU HAVIA CHEGADO DO COLÉGIO E FIQUEI NO TERRAÇO DA SUA CASA (VIZINHA À NOSSA), PARA OUVÍ-LA EM SUA LEITURA DOS MANUSCRITOS DO RICO LIVRO! MOMENTOS DE MUITA TERNURA!
A SINHÁ-MOÇA DO OITEIRO
Lúcia Helena Pereira (*)




Em 25 de maio de 1880, nascia, no engenho Oiteiro, em Ceará - Mirim, Maria Madalena Antunes de Oliveira, filha do coronel José Antunes de Oliveira e Joana Soares de Oliveira.
Posteriormente, ao se casar com Olympio Varela Pereira, passou a assinar Maria Madalena Antunes Pereira, tornando - se, a partir de 1958, mais conhecida como a Sinhá - Moça do Oiteiro.


Madalena Antunes era uma criança alegre, virtuosa, cheia de amor pela família, pelos irmãos Juvenal Antunes de Oliveira (poeta), Etelvina Antunes de Lemos (poetisa) e Ezequiel Antunes de Oliveira (médico do exército).
Teve sempre o melhor carinho para com os “menores”, daí, o seu amor pelas filhas de escravos: Tonha e Patica, “crias da casa do coronel', com as quais apegou - se, em correspondida afeição, além, da fidelidade estóica e comovente das jovens mucamas, suas companheiras diletas nos tempos de criança.


Ao casar-se com o industrial da cana - de - açúcar: Olympio Varela Pereira, do engenho Oiteiro, passou a morar em Ceará-Mirim, depois mudou-se com a família, para Natal, instalando-se na casa construída por meu avô, à Av. Hermes da Fonseca, 700, Tirol.


Vovó vivia pacatamente. Diariamente escrevia seus manuscritos numa mesinha de jacarandá preta, sob o velho terraço da casa.
Assim ela manifestava o seu talento e fantasiava os seus momentos de solidão, numa época de muitos preconceitos ao papel da mulher na literatura e em outras atividades, quase que destinadas apenas ao homem. Conviveu com intelectuais como Luis da Câmara Cascudo, Edgar Barbosa, Manoel Rodrigues de Melo, Esmeraldo Siqueira, Veríssimo de Melo, Nilo Pereira (sobrinho dileto que vinha à Natal todo santo mês) e outros. Foi quando descobriu a fórmula “mágica” para editar e lançar o seu livro, o qual, em manuscritas páginas, estava concluído.


Era grande a ansiedade para o lançamento do livro de Madalena Antunes - um acontecimento raro! Presenciei essas “cenas” por algum tempo, observando a empolgação dos intelectuais diante da perspectiva de uma norte - rio - grandense infiltrar-se no mundo literário. E foi desses nomes da nossa rica literatura, que ela recebeu os melhores influxos, até que, através de Câmara Cascudo e Nilo Pereira, que entraram em contato com um escritor pernambucano, os seus manuscritos chegaram à Editora Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro - e o livro foi editado com o apoio da Casa Euclides da Cunha, Coleção Nísia Floresta, em 1958.


Eu tinha treze anos quando vovó Madalena terminou de escrever o seu romance. Estava organizado em papel almaço quando ela me deu para ler alguns trechos. Lembro-me dessa grande emoção ao receber esse material precioso! Na contra - capa do volumoso material, ela fez uma anotação com sua própria letra: “Largo é o sorriso que me acompanha e estreito o caminho daqueles que não compreendem as poesias da alma. Eu sou apenas uma mulher feliz, alguém que aprendeu a canalizar os sentimentos, sem se queixar diante dos embates da vida! Madalena Antunes!”


Com toda a movimentação para o lançamento do seu livro, vovó Madalena foi surpreendida com a visita da senhora Maria Tereza, redatora - chefe da revista “DA MULHER PARA MULHER” poucos dias antes da noite de autógrafos. A jornalista viera do Rio de Janeiro para entrevistar a nordestina. E vovó não deixou por menos. Ofereceu-lhe um chá com vários convidados e um buffet bem próprio daquela época: chá, café, torradinhas, pão assado no leite de coco, baba - de - moça, arroz - doce, cartola (com açúcar e canela), biscoitinhos de polvilhos, bolo de batata, de ameixas e o "bolinho da vovó" - com cobertura açucarada (cortado em cubinhos e cobertos com um glace caseira feita com açúcar, limão e um pouco de manteiga). Abrindo a entrevista, Maria Tereza perguntou - lhe: “Como a senhora se sente ao publicar o seu primeiro livro, com tantas manifestações de carinho, notícias em jornais, intelectuais cercando - a intensivamente? E esse terraço, haverá um história”? Seus olhos oceânicos brilharam e ela respondeu: “Saí de um vale encantado para a cidadezinha dos Três Reis Magos. Aqui, então, fui reunindo as minhas reminiscências e encontrando escritores que me incentivaram na árdua jornada. Deixar o Oiteiro e a velha Ceará- Mirim, o Solar Antunes - construído pelo meu pai em 1888, para morar em Natal, deu-me algumas vantagens e os primeiros vislumbres intelectuais. Por outro lado, sinto falta da minha paisagem de infância, da mansidão do vale, dos parentes e amigos que lá ficaram. Quanto ao terraço, nele está a fronteira do meu pequeno - grande mundo, a minha “ilha”, o meu refúgio, a mangueira frondosa e bela! Afinal, Maria Tereza, as árvores também saem dos seus lugares e dão sombras e frutos, e nelas os pássaros pousam e cantam as suas lindas estrofes musicais! Sobre o meu livro, creio que a vida vai escrevendo a nossa história e o Oiteiro vai me levando de volta a um tempo ameno, cheio de poesia e beleza. Levando-me ao meu “templo” de gratas recordações que vou deixando para as novas gerações.”


Continuando, a senhora Maria Tereza insistiu: “Então, somente as recordações e saudades do vale levaram - na a escrever um livro?” Madalena sorriu e falou com doçura: “Foram os encantamentos da infância que enriqueceram as minhas lembranças; o feitiço do Oiteiro com suas perfumadas auroras e os crepúsculos cheios de inspirações! O Oiteiro, o velho engenho, ainda o vejo, tão belo e imponente, com o oitizeiro à beira da estrada! Aquele pedaço de céu foi o palco iluminado das minhas reminiscências! A fonte perene dos meus sonhos de menina! Saiba, cara jornalista, desde criança fui aprisionando no coração as minhas lembranças, o que não imaginava é que um dia, elas seriam impressas nas páginas de um livro. Creio que isso foi seduzindo o meu espírito e me privando da solidão comum desses novos tempos na cidade. Escrever, pelo menos para mim, é um belo exercício da alma, do intelecto, uma forma de suprir solidões e saudades. E no Oiteiro ficou o grande oitizeiro, o qual devo bendizer: Oh! Velho oitizeiro, figura do passado, templo de minhas primeiras impressões! Quantas coisas recordas! Oh! Árvore do pomar da minha felicidade”! M.M.A.P.


Em 1958, na Fundação José Augusto (antiga Escola de Jornalismo de Natal), Madalena Antunes autografou, em grande estilo, o seu livro OITEIRO: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ- MOÇA reunindo crônica, romance, poesia, história e regionalismo. Um livro reeditado pela A.S. Livros na II Bienal Nacional do Livro em Natal -2002, prefaciado por mim e autografado no stand da Academia Feminina de Letras.
Lembro-me daquela noite: saímos eu, Marildinha e Iara, com papai e tio Luís empurrando a cadeira de rodas de vovó. Ela usava um vestido de fundo branco com "pois" levemente azul. Nos cabelos prateados a redinha, e num pé, o chinelinho delicado e bem elegante para a ocasião (apenas um pé, vez que já havia amputado uma perna acometida de trombose). Durante o percurso - pouco mais de 300 metros, seus olhos brilhavam e a rua Jundiaí parecia uma alameda florida com o pé de acácia na calçada de dona Dulce Costa, a castanhola e o flamboyant de flores vermelhas, entre a Afonso Pena e a Jundiaí. Momentos de encantamento que até hoje rememoro com saudade e alegria.
A antiga Faculdade de Jornalismo (creio), hoje, Fundação José Augusto,
estava repleta dos familiares, autoridades, escritores e amigos. Lembro-me que houve uma sessão solene onde Câmara Cascudo e Nilo Pereira prestaram breves depoimentos, em seguida houve a execução do hino nacional pela Banda de Música da Polícia Militar de Natal. Vovó autografou muitos livros, sempre com boa disposição, com os filhos: Abel, Ruy, Antonieta e Darquinha, o filho Vicente Inácio Pereira que morava no Rio de Janeiro, mandou telegramas, pois não podia se fazer presente. A família Antunes, Pereira, Varella, Oliveira, Meira, Soares, Dantas, Câmara, Correia, Barbosa de Ceará-Mirim, manifestou-se com expressiva presença. Foi uma noite memorável e eu me sentia cheia de felicidade por haver partilhado da euforia dessa solenidade tão marcante.


Madalena Antunes faleceu em 11 de junho de 1959, saindo da casa da Hermes da Fonseca, carregada pelas asas dos anjos, para outras dimensões.


Em maio de 2001, no Palácio da Cultura de Natal, a Fundação José Augusto, através do seu presidente - jornalista e escritor Woden Madruga, com apoio do Governo do Estado do RN lançou a revista antológica: “MULHER POTIGUAR: CINCO SÉCULOS DE PRESENÇA”, onde, entre as 24 mulheres homenageadas, está Madalena Antunes.


E, com muita honra, o nome Madalena Antunes faz parte do grupo das 40 Patronas da Academia Feminina de Letras do RN(da qual sou membro), presidida por ZELMA FURTADO BEZERRA, onde ocupo a cadeira número 08, tendo, como patrona - Madalena Antunes.
Madalena Antunes faz parte do acervo de mais de 400 mulheres pesquisadas por Zelma Bezerra, às quais, encontram-se em fotos e obras, no acervo do Memorial da Mulher Potiguar.
Da mesma forma, a Sinhá-Moça do Oiteiro é minha Patrona na ACLA - Academia Cearamirinense de Letras, cadeira n°04.


Neste espaço de “blog” literário - cultural e social, quero dedicar esta página biográfica, saudosista e de louvor à minha avó paterna - Madalena Antunes - transcrevendo, o que meu pai - Abel Antunes Pereira - em 1935, recebeu dela, e que deveria ter sido gravado em letras de ouro). Era o dia 23 de março de 1935, aniversário do meu pai (seu filho e depois, vizinho na avenida Hermes da Fonseca):




“ Natal, 23 de março de 1935:
Abel:


Meu querido filho, hoje, dia do seu aniversário, quero dar - lhe minha benção espiritual, como o melhor presente que poderia ofertar - lhe neste dia tão especial. Ela vai perfumada do olor daquelas rosas, que você plantou, com tanto amor e cuidados, no jardim do meu coração. Plantamos, nos jardins da vida, muitos balcões de plantas preciosas. Qual a mais bela? Não saberia dizer. Mas, você, meu filho, de quem jamais encontrei a pequena graminha comum, entre as rosas do amor filial, abençôo hoje orando por sua saúde e felicidade.
Por tudo isso, meu bom filho, peço - lhe, que quando chegar a hora derradeira, você possa entrelaçar as minhas mãos frias com as contas do meu rosário, no qual sempre oro por sua felicidade. Um beijo de sua Lhene (Madalena!)”.
(Coincidência, acaso...o fato é que papai fez exatamente o que ela pediu)


Madalena Antunes, que nasceu no engenho Oiteiro, que morou no Solar Antunes (construído pelo seu pai e meu bisavô - José Antunes de Oliveira), que passava férias na casa - grande do engenho Guaporé (construído na metade do séc. XIX (residência do Barão do Ceará - Mirim: Manoel Varela do Nascimento), que foi a primeira mulher na história do Rio Grande do Norte, a publicar um livro regionalista e de memória, aqui está, aclamada por mim, sua neta, com uma emoção diferente, aos 66 anos, dilatando - se do coração para a alma!


Madalena Antunes que é nome de Escola em Ceará - Mirim; que tem sido alvo de tema fascinante em monografias e teses de alunos concluintes da UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da UNP -Universidade Potiguar-, temas de dissertações de alunos de Escolas particulares e públicas do RN, além de palestras proferidas por mim, citações em livros, e outras histórias, para quem honrou sua terra, sua gente, sua pátria. AMÉM!


Outrossim, dedico esta página a todos aqueles que estão se voltando para a revitalização do Guaporé e da Matriz de N.Sra. da Conceição. E meus agradecimentos ao confrade Gibson Machado, ele que sempre está pesquisando e publicando notícias sobre o Oiteiro de ontem e de hoje, sobre a Sinhá - Moça.


(*) Escritora, poetisa, ex - presidente regional e nacional da AJEB-RN (1990 a 2000), membro das Academias: Feminina de Letras do RN, teófilo Otoni - ALTO, Cearamirinense de Letras e Artes - ACLA, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rn, membro da UBE/RN.






Nota: A capa do livro Oiteiro - segunda edição (A.S LIVROS - da Coleção LETRAS POTIGUARES)) - 2002, é uma tela pintada pela grande artista plástica Goreth Medeiros (óleo sobre tela), com projeto gráfico do designer - Fernando Chiriboga.

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