terça-feira, 10 de maio de 2011

POEMA DO ESCRITOR, CRONISTA LITERÁRIO, POETA E BLOGUEIRO - RUBENS JARDIM.


07/05/2011 10h15
POEMA DA MÃE
Escrito e dedicado para minha mãe, Nair e para todas as mães.

Rubens Jardim


Eu quero te dizer que Mãe não é
humano. Também não é animal.
Mãe não tem limite.
É uma específica aragem,
única, do sagrado.
Um modo de doar as estrelas
absolutas e mostrar que o céu
existe é pro filho mesmo.

E não importa o lugar do nascer.
Não importa o lugar de viver.

Tudo é sagrado. Tudo é celebrado.

Pode ser um celeiro. Uma casa.
Mas pode ser também um estábulo.
Ou essas maternidades, que podem ser,
Estrebarias. Ou hotéis de luxo.

E nós ainda pensamos que os bem nascidos
Dominam o mundo. Eles dominam mesmo.
Mas há uma diferença entre dominar
O mundo e dominar a vida.
A vida é indomável. A natureza, indomesticável.
E aqui cabe a indicação do poeta: quem lê os traços
Que os raios descrevem? Cabe, também, a verificação
Da inutilidade da ciência: ela evita um terremoto?
Ou uma erupção vulcânica?

É claro que não estou incitando ninguém
a jogar fora a ciência. Mas não podemos abrir mão
das outras dimensões do humano. Thiago, meu filho,
já me fez esse alerta, dizendo literalmente isto:
Será que o e-mail substitui a carta
e o teclado as penas tinteiras franciscanas?
Será que os coquetéis anti-Aids substituem
as ervas indígenas que curavam pela energia
e pela dedicação da mão amiga?

Não há dúvida que essas são apenas imagens.
Mas que imagens, minha mãe? Isso é poesia pura.
Da melhor qualidade. E só por isso elas revelam
O nosso ser, desvelam a nossa alma, assegurando
o conhecimento direto. Concreto. Aqui não existe
o símile. A comparação. Esse modo prosaico
de aprisionar o real e o viver, submetendo tudo
ao encadeamento lógico. Sempre uma coisa
depois da outra. Sempre uma coisa debaixo da outra.

E será que na vida real as coisas são assim?

Todos nós sabemos que o trágico, o cômico,
e o erótico não vêm a conta-gotas.
O amor mesmo não é que nem braçada de cana?

A metáfora só vem depois.
Como naquele filme O Carteiro e O Poeta.
Você deve lembrar daquele personagem,
perguntando, inquieto: o que é uma metáfora ?

Pois bem: eu sei o que aquele filme te respondeu.

Mas agora a resposta é do seu filho:
Metáfora é o abandono de toda comparação.
Metáfora é uma meta que está fora da palavra.
Metáfora é transcendência. É ultrapassar os
Limites da palavra. É não descrever um por do sol.
É colocar você diante dele. Ou dentro dele.

É claro Mãe que eu sinto muitas coisas assim.
Até porque, por uma questão de fidelidade,
minhas origens me empurram pra uma
outra dimensão. Aquela que --honrando-me sempre--
vige e vigora, agora e sempre na lembrança de meus avós.
Eu vivo -que nem eles-presentificado.
Exercitando o dia. Abençoando o sol
Ás vezes, maldizendo a noite. Mas é só isso.

Minha fragilidade e minha dignidade humanas
repousam em gestos conhecidos, em olhares
partilhados, em caminhos desconhecidos.
Minha própria ou imprópria poesia
é uma celebração desse aprendizado.

Mas o que eu quero te dizer é que Mãe
é uma percepção total do mundo.
Um descanso da loucura. Mãe é a saúde
absoluta. Mãe é a palavra mãe gestando
desenhos, antecedendo auroras,
relembrando traços, instalando instantes.

Mãe são os ritmos. Os rumos. Os rituais.
Mãe são as músicas. Os velocipedes.
As palavras definitivas e férteis da juventude,
Os ritmos sagrados. A pulsação das origens.
Mãe são os vendavais, os silêncios,
as esperanças animais. Mãe é a flor
escolhida. A quimera. O assentimento.

Mãe são as conversas. Os versos.
Os poetas idealizados. Os sábios.
Mãe é essa Grécia descoberta cedo,
esse Fídias, esse Platão, esse Sócrates.

Mãe é esse Shopenhauer distilando
pessimismo e dor em mim. Me fazendo
pensar, duvidar, sentir. Mãe é também
esse Nietzsche me levando ao abismo
do nascimento do além-do-homem. Mãe
é o Bandeira me mostrando Salvador,
a grande sala de jantar do Brasil.
Mãe é o Drummond me mostrando
que Mãe , na sua graça, é eternidade.
Mãe é o Jorge de Lima revelando a minha meninice.
Faz de conta que os sabugos são bois...
Faz de conta...e os sabugos de milho mugem
como bois de verdade...e os tacos que deveriam ser
soldadinhos de chumbo são cangaceiros de chapéus de couro...
É boquinha de noite no mundo que o menino impossível povoou sozinho!

Mãe é o Rilke me ensinando que todas as obras
de arte são de uma infinita solidão.

Mãe é o Walter. A vó Elisa. O vô Bento.
O meu irmão. A minha irmã é minha mãe.
O meu pai. O tio Dirceu. A tia Concha.
O tio Juvenal. A Dulcinha. A tia Dulce é minha
mãe. A tia Lourdes. A tia Preta. A tia Linda.
A tia Rosa. O tio Dimas. O tio Aparício.
O tio Nino é minha mãe. A tia Alice. O tio Nené.
A tia Emília. O tio Agenor. A tia Alzirinha.
A vó Maria é minha mãe.

E são também minhas mães os meus primeiros
e definitivos amores. Isabel que me deixou
sozinho debaixo do céu. Flávio Márcio que cobriu
esse céu com estrelas súbitas. Suely que perseguia
essas estrelas em todos os cantos da terra.
Bell que sempre me enxergou inteiro, com luz e sombra.
Eulália que viu esse fio de luz e me levou aos beirais
da dança, aos umbrais do corpo. Iracy que me doou
o mistério de seus olhos e de seu ventre.
Mônica, que ainda menina, mergulhou inteira
na minha alma e no meu corpo.

Mãe é a Ivone que me arrancou de tudo isso,
Plantando-se em meu coração. E ela cresceu demais.
Exatamente como aquele verso rilkeano: não me plantes
eu seu coração, eu cresceria depressa demais.

Mãe é a Ana recuperando em mim os sentidos, os tatos,
os contatos, os significados. O caos da juventude.
As estrelas iniciais. Exatamente como Nietzsche dizia:
é preciso ter um caos dentro de si para dar a luz uma estrela cintilante.

Mãe é a Ana sendo mãe de meu filho carnal,
embarrigando aos 40 anos e me proporcionando tudo
aquilo que o céu --real, irreal e inicial--pode entregar
a um vivente. E é com a Ana, essa mulher comparsa
e companheira, que eu espero largar mão dessa vida,
e buscar a vida verdadeira. Aquela que nos devolverá
para a nossa única e legítima mãe: a mãe terra.


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